Ariano Vilar Suassuna (João Pessoa, 16 de junho de 1927 — Recife, 23 de julho de 2014), foi um dramaturgo, romancista, ensaísta e poeta brasileiro. |
"Carta para Ariano:
Quem te escreve agora é o Cavalo do teu
Grilo. Um dos cavalos do teu Grilo. Aquele que te sente todos os dias,
nas ruas, nos bares, nas casas. Toda vez que alguém, homem, mulher,
criança ou velho, me acena sorrindo e nos olhos contentes me salva da
morte ao me ver Grilo.
Esse que
te escreve já foi cavalgado por loucos caubóis: por Jó, cavaleiro sábio
que insistia na pergunta primordial. Por Trepliev, infantil édipo de
talento transbordante e melancólicas desculpas. Fui domado por
cavaleiros de Sheakespeare, de Nelson, de Tchekov. Fui duas vezes
cavalgado por Dias Gomes. Adentrei perigosas veredas guiado por
Carrière, por Büchner e Yeats. Mas de todos eles, meu favorito foi teu
Grilo.
O Grilo colocou em mim rédeas de sisal, sem forçar com
ferros minha boca cansada. Sentou-se sem cela e estribo, à pelo e sem
chicote, no lombo dolorido de mim e nele descansou. Não corria em
cavalgada. Buscava sem fim uma paragem de bom pasto, uma várzea verde
entre a secura dos nossos caminhos. Me fazia sorrir tanto que eu,
cavalo, não notava a aridez da caminhada. Eu era feliz e magro e
desdentado e inteligente. Eu deixava o cavaleiro guiar a marcha e mal
percebia a beleza da dor dele. O tamanho da dor dele. O amor que já
sentia por ele, e por você, Ariano.
Depois do Grilo de você, e
que é você, virei cavalo mimado, que não aceita ser domado, que encontra
saídas pelas cêrcas de arame farpado, e encontra sempre uma sombra, um
riachinho, um capim bom. Você Ariano, e teu João Grilo, me levaram para
onde há verde gramagem eterna. Fui com vocês para a morada dos corações
de toda gente daqui desse país bonito e duro.
Depois do Grilo de
você, que é você também, que sou eu, fui morar lá no rancho dos
arquétipos, onde tem néctar de mel, água fresca e uma sombra brasileira,
com rede de chita e tudo. De lá, vê-se a pedra do reino, uns cariris
secos e coloridos, uns reis e uns santos. De lá, vejo você na cadeira de
balanço de palhinha, contando, todo elegante, uma mesma linda estória
pra nós. Um beijo, meu melhor cavaleiro.
Teu,
Matheus Nachtergaele"
Fonte: Diário de PernambucoMatheus Nachtergaele"
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