quinta-feira, 3 de março de 2016

"Sem Ressentimentos", por: Zélia Duncan.

Sem ressentimentos
(Por: Zélia Duncan)

"Mágoa enrustida é um perigo, não vira cicatriz, machuca pra sempre

Mágoa é um bicho estranho, um animal faminto, de tocaia. Dentes precisos, olhos brilhantes. Desprevine e ataca, arranca um pedaço mas não mata, pra não deixar de morder. Mágoa às vezes se disfarça. Finge que é perdão, finge que não é nada, jura que passou, só que não. Muda de nome. Vira rancor, vira vingança, vira cachaça! Mágoa muda é uma desgraça. Não fala pra fora, mas faz discurso pra dentro. Conclui, infla, se basta. Acha justas justificativas, labirintos de argumentos que só reverberam no próprio ouvido. Mágoa enrustida é um perigo, não vira cicatriz, machuca pra sempre.

O cotidiano não é moleza, se relacionar, um grande mistério. Ainda que tenhamos uma natureza comum, somos individualmente tão diferentes. Se observarmos o tempo que cada um tem para sentir os acontecimentos até que se tornem palavras. Alguns são muito impulsivos, esbanjam pontos de vista, outros ruminam mais os fatos ou são mais serenos mesmo. Existem os que ligam seus tratores e vão triturando as conversas com opiniões e críticas veladas ou nem tanto, os que não sabem ouvir nada sem levar pro lado pessoal. São tantas nuances entre o que se diz e o que se ouve, como se recebe. Predisposições, dias mais sensíveis, códigos menos legíveis. Penso que o tempo pode estar sempre a nosso favor, no quesito “escolher”. Em todos os sentidos, inclusive e principalmente, em relação às palavras. Nem todas as opiniões são relevantes, creio que a maturidade nos ajude a concluir isso. A hora de calar é mesmo sagrada. Palavras valem ouro, e o silêncio, diamante, como bem se diz! Resistir ao autoelogio, em tempos de selfies e faces, me parece cada vez mais ser um grande feito!

Existem muitos tipos de mágoa. As que inventamos, as que realmente aconteceram, as profissionais, as de amigo, as de amor. Todas doem, claro, e todas merecem atenção, até para chegarmos à conclusão de que devem ser relevadas e que, se comparadas ao valor que a relação tem, viram tolices. Quantas vezes não nos metemos em situações que no fundo sabemos que vão resultar em mágoa, mas lá vamos nós, de peito estufado, pedindo que nos acertem e… pow! Roteiro concluído, saímos com cara de vítima deste mundo cruel.

No caso dos amigos, sou sempre a favor de falar. Falar o que incomodou, o que não bateu bem. Falar o que se esperava e não veio, seja o que for. Não me conformo com as pessoas que se retiram da minha vida, sem eu saber o porquê. Amigos que abrem mão de toda uma história, por conta de algo que não fazemos ideia do que seja. Isso é uma espécie de sadismo, o fim da feira, a xepa do carinho e da consideração. Sair sem dar chance a um pedido de desculpas, a uma explicação, ou até de poder constatar que nem havia motivo real pra tanta mágoa. Acho arrogante e covarde a pessoa que se retira dessa maneira de uma relação de amizade.

Eu acredito que até as mágoas, quando não envolvem algo grosseiro, ou de caráter muito baixo, expiram. Precisam expirar. Ficam até ridículas. A vida é curta demais para sermos detentores de uma mágoa eterna em relação a algo ou alguém. Que vire nada, que vire vento, mas que deixe de ser levada a ferro e fogo, porque faz muito mal, principalmente a quem carrega esse tribunal nas costas.

No caso do amor, acho que seria bom evitar coisinhas miúdas, pensar um pouco mais antes de sair enxurrando expectativas e frases de efeito em cima do outro. Ninguém aqui está dizendo que é fácil, mas, num mundo do amor ideal, seria aconselhável escolher mais as palavras, pelo menos!

Aos 19 anos, fui traída pela então melhor amiga, que “levou” meu amor pelas costas. Uma mágoa que parecia vitalícia, que demorou uns dez anos, sem exagero, para se curar. Curei de verdade quando aceitei o fato e, claro, porque a vida andou milhões de felicidades pra frente. Cá pra nós, além de ela não ter sido lá a tal amiga das melhores, aquele amor tava implorando pra ser levado, e foi!

Profissionalmente também é delicado, principalmente se estamos lidando com colegas que não são exatamente amigos. Na minha área, egos estão quase sempre na comissão de frente, e há que se ter cuidado. Quando chegam muito lustrosos, boto meus óculos escuros, procuro a saída e corro pra minha turma!

Há ainda as famosas mágoas de família. Aquelas que atravessam gerações inteiras, ganham contornos, arranjos, são cavucadas pra baixo, pros lados. Viram herança, sussurram pelos umbrais das salas e dos quartos. São profundas e podem ser mais perversas, porque nos viram nascer. Pra essas, minha humilde receita, que aprendi com minha mãe e minha avó: doses cavalares de amor e compaixão. Deixo aqui meu depoimento, funciona sim! O efeito de alívio é imediato e não tem contraindicação. Aliás, é mesmo feito em casa!"


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Texto que me surgiu providencialmente, num momento em que estou passando por isso.

Estou com 33 anos. Não posso sentir mágoas de alguém, por causa de uma brincadeira boba. Boba, mas também muito séria.

Foi sem graça? Foi!
Incomodou? Para mim, de certa forma sim e muito!

A pior coisa, é você ficar martelando certas mágoas, por bobagens.

Eu mesmo, já fiquei bem magoado, por causa de uma recusa de fotos. Fiquei chateado, me afastei. Mas quando fiquei numa situação em que a pessoa com quem estava magoado, ficou à beira da morte, a minha consciência pesou. Bateu um desespero.

Não me perdoaria, se caso não o perdoasse por um comportamento infantil da minha parte. Aliás, nunca quis o mal de ninguém.

E como estaria me sentindo hoje, se o pior tivesse acontecido? Muito pior do que esta sensação que me envolveram numa "pegadinha", no início de fevereiro.

Chateado, sim. Mas não posso sentir mágoas, ressentimentos, por uma brincadeira mal sucedida e fora de hora. Esta sensação é ruim. É chato ter que evitar certos lugares, principalmente certas pessoas, por mágoa.

Ficar com um peso na consciência, é muito ruim. E é o que estamos vendo nos telejornais: são todas pessoas magoadas em algum momento da vida por alguma coisa.

Então, se caso não se desculparem logo, fiquem um breve tempo afastado. Mas cada caso, é um caso, pois depende muito do nível desta mágoa. Mas quando for algo mais leve, não demore muito tempo para fazer as pazes: nunca saberemos o que o amanhã nos fará.


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